Como não ser um Designer mediocre.

Um cenário realista sobre o futuro do design digital e como sobreviver ao caos.

JP Teixeira
10 min readNov 27, 2019
Num mercado super concorrido, destacar sobre a maioria está cada vez mais difícil — mas não impossível.

Vivemos tempos em que oportunidades raras batem à nossa porta. Talvez em nenhum outro momento da história a demanda por designers tenha sido tão alta. Estamos na crista da onda. Designers têm a faca e o queijo na mão para expandir seus ganhos, captar mais clientes e alavancar uma carreira internacional. Pensar globalmente e agir rápido pra enfrentar os desafios do mercado é fundamental para se destacar no mundo digital.

Para aproveitarmos tais oportunidades, é necessário capacitar e aprimorar habilidades, uma vez que se diferenciar da maioria está cada vez mais difícil.

De agências e startups a pequenas e megaempresas, a figura do designer tornou-se essencial pra qualquer atividade relacionada à criatividade, tecnologia e inovação.

Porém, temos os dois lados da moeda e os efeitos colaterais da supervalorização da profissão em que nem tudo são flores.
O excesso de demanda e a falta de oferta qualificada gerou um cenário caótico.

1. Designers e o complexo de super herói

UX, UI e Product Designers prontos pra salvar o mundo.

Virou modismo profissionais bradando aos quatro ventos que suas maiores habilidades são resolver problemas. Alguns vão além e afirmam que são experts em resolver problemas complexos. Eu me questiono sobre tamanha complexidade na qual um designer possa ser envolvido. Seria o designer um novo físico nuclear? Por que tanta ânsia em salvar o mundo?

Efeito decorrente da superpopularização do termo UX Design. Hoje é trend colocar UX no currículo, mesmo que não haja o mínimo conhecimento sobre html, css, business, vendas, finanças, economia, tecnologia, empreendedorismo, marketing, craft e até mesmo design. Inserem-se ainda nomenclaturas pomposas como UX Specialist, Designer Thinker, Innovation Expert, Disrupting Leader pra vender a falsa mensagem de que o design é o responsável por salvar o planeta, a democracia, o país, a sociedade e o universo num complexo de super-herói em versão digital.

Queria ter tal poder em mãos. Realisticamente, o que fazemos no dia-dia e ao longo de nossas carreiras são projetos perecíveis que vão impactar uma parcela ínfima da população.

80% da nossa atividade são coisas básicas, triviais e vão cair num limbo digital em questão de meses. Diariamente, discuto com outros profissionais sobre qual a verdadeira relação entre criar x resolver problemas. A mim, soa um pouco vago esse desejo por consertar o mundo, visto que o design é facilmente diluído em outras disciplinas com maior relevância na sociedade.

Outro dia, ouvi num podcast que o maior diferencial de um designer é saber resolver problemas. Penso que seria então melhor contratar um mecânico a um designer.

Do ponto de vista prático, não projetamos nada tangível. Joe Stewart, partner e designer da agência work.co, certa vez disse que designers estão mais próximo de encanadores do que artistas. De certa forma eu concordo e vou além. Encanadores resolvem mais problemas e melhoram a vida das pessoas do que grande maioria dos designers. O glamour da profissão não reflete a realidade e o cotidiano de milhões de designers que buscam um lugar ao sol.

O grande desafio da profissão é lidar com o amadorismo do mercado, a falta de maturidade de clientes e colaboradores, além de sobreviver à enxurrada de modismos.

Morando em São Francisco, Califórnia, percebo como empresas e startups sofrem pra contratarem bons designers. A demanda é gigante, mas a oferta ainda é rasa. Isso se deve ao fato de que a maioria dos profissionais não possuem visão estratégica sobre suas carreiras. Ao denominarem UX, automaticamente entram numa esfera generalista onde boas oportunidades escorrem pelos dedos. Após anos trabalhando nos EUA, percebi que, quanto mais generalista é o designer, piores são suas chances no mercado de trabalho, uma vez que é difícil traduzir com precisão qual é a maior habilidade de alguém denominado "UX". De acordo com a filosofia do Vale do Silício, a quantidade genérica de atributos profissionais enunciadas em seus perfis é inversamente proporcional à qualidade e capacidade da entrega.

Temos uma crise de identidade e vivemos numa confusão existencial. Desafio alguém a explicar a diferença entre essas nomenclaturas:

  • UX/ UI designer,
  • Product designer,
  • Interaction designer,
  • Visual designer
  • Web designer;
  • Unicorn designer;
  • Full stack designer;

Não basta apenas carregar nomenclaturas da moda quando não há adequação à nova realidade do mercado.

Outro ponto nevrálgico da profissão é a discussão interminável em torno de ferramentas. Como se Sketch, Figma, ou Adobe XD transformasse do dia pra noite algo medíocre num suprassumo do design. Essas ferramentas não dão superpoderes a ninguém. Sem os verdadeiros princípios e habilidades corretas, qualquer ferramenta será apenas mais uma ferramenta.

Pouco importa o cargo, o software, o processo, ou a terminologia do momento. Superar platitudes teóricas e aprimorar habilidades é o caminho pra criar produtos e projetos que façam alguma diferença na vida de alguém.

Exemplifico essas afirmação com o estudo de caso do meu primeiro projeto em terras gringas. No redesign da experiencia mobile do USA Today, parte das soluções e os melhores insights vieram de engineers, copywriters e developers, enquanto o time interno de design discutia sobre dilemas irrisórios como — pasmem! — qual a melhor ferramenta pra criar uma interface.

Em 6 meses de trabalho intenso, nosso maior êxito foram quando projetos conectavam-se com o business goal do cliente. A resolução de problemas e criação de soluções eram parte de um sistema orgânico que funcionou muito bem, devido à colaboração entre diferentes disciplinas, sempre com o mesmo propósito em mente.

A partir desse case, entendi que precisava ter uma visão de business e me desligar um pouco do lado artístico intrínseco ao design.

Outros aprendizados tangíveis que podem “empoderar” equipes de design foram:

  1. Protótipo antes, design depois;

2. Explorar diferentes alternativas e perspectivas geram boas conclusões;

3. Pesquisa vence jogos, execução vence campeonatos;

4. O produto é mais importante que o processo;

5. Performance > Interface;

5. Maker > Thinker;

Pra muitos é um choque de realidade, mas a excelência em execução aliada à visão estratégica do produto são essenciais e amplamente requisitadas pelo mercado. Antes de querer salvar o mundo, é preciso inovar o modo como tratam suas carreiras.

2. O mito do designer criativo

Coincidência ou excesso de modismo? Quem não tem capacidade de criar, copia.

Repararam como o design digital hoje em dia é um pastiche de si mesmo?

Mercadologicamente falando, o designer, quando criativo, torna-se imbatível. Mas tal habilidade vem sendo vilipendiada desde a ascensão de métricas de conversões.

A busca por reconhecimento rápido afogou a capacidade de aprimorar habilidades. O design perdeu em criatividade pelo excesso de generalização, deixando de ser uma disciplina singular — submersa em métodos, processos e modismos.

O modismo de UX Design está soterrando a criatividade. Num momento em que números e analytics são o principal coeficiente decisório em projetos digitais, a consequência são resultados medíocres dentro de uma repetição de padrões e convenções, com a velha desculpa de conversão e geração de lead, muitas vezes baseadas em achismos e falsas afirmações. É bizarro como o mercado segue caminhos opostos à literalidade da experiência de usuário.

Criam coisas em vez de criar coisas incríveis. É como aquele time que faz um gol e joga o resto da partida na retranca. Empate é vitória.

A criatividade é um dos predicados com o qual o designer tem o poder de se destacar no mercado e projetar sua carreira pra outro nível. Mas ser criativo e original demanda tempo e um esforço que poucos têm o ímpeto de seguir. Não quero generalizar. Há sim, excelentes profissionais e agências por aí. Porém, é visível a queda da qualidade de produtos, serviços e processos referentes à criatividade.

Quando me refiro à criatividade, não é apenas a questão estética/visual, e sim a capacidade de criar soluções de maneira simples, liderar equipes, gerar receitas, gerar impacto no mercado, num esforço diário que demanda aprimorar habilidades como:

1. percepção = entender como o mercado pode gerar novas oportunidades.

2. negociação = convencer pessoas de que sua ideia é válida e agregá-las ao seu projeto.

3. execução = saber tirar a ideia do papel e executá-la de maneira incrível.

A negligência nesses 3 pilares é um dos fatores responsáveis pela alta rotatividade no mercado. Virou banal designers pularem de galho em galho. Em questão de meses, já partem pra outro `desafio na carreira` sem nenhum resultado tangível e relevante. Mesmo no Vale do Silício, a carreira de um designer nas FAANG’s (Facebook, Apple, Amazon, Netflix, Google) é em media 1,5 anos. Até mesmos os freelancers não conseguem criar uma relação sólida com clientes.

Perde-se oportunidades devido à falta de capacidade para lidar com o desafio da revolução digital e a escassez de habilidades pra encarar esse novo cenário.

3. O triste fim das agências digitais

Pelo menos 90% das agências digitais não sobreviverão nos próximos anos.

Depois do boom das agências digitais, o mercado vem se adaptando à nova realidade da economia criativa. Das diversas formas de perder dinheiro online, uma delas é contratar uma agência digital pra criar um produto. A morosidade no processo de criação, da concepção até o resultado final, é desgastante para ambos os lados. Processo complexos e extensos, estruturas inflexíveis e incapacidade de acompanhar o avanço digital, transformaram as agências digitais em fábricas de pessoas ansiosas, estressadas e desiludidas com a profissão.

Apenas agências exímias em execução e planejamento sobreviverão e prosperarão nesse cenário caótico. Unanimemente, agências julgam a si próprias como criativas e disruptivas.

Porém, segundo Clay Christensen, professor de Harvard e criador da teoria da inovação disruptiva, a principal característica e efeito de movimentos disruptivos é quando há contestação da eficiência de mercados, o que gera uma mudança na forma de trabalho e, consequentemente, a competição torna-se global. São raras as agências e profissionais que se enquadram nesse aspecto.

Listo abaixo os 10 erros que culminaram na derrocada das agências digitais:

1. ascensão da figura do influencer;

2. subestimam as áreas de marketing, business, finanças e vendas;

3. não possuem visão de longo prazo;

4. não criam valor;

5. estruturas inflexíveis;

6. objetivos e metas não são sincronizadas com funcionários;

7. adotam velhas práticas que impossibilitam a inovação;

8. automatização da criação ;

9. não formam times dedicados com habilidades específicas;

10. intermediários entre o cliente e o resultado final.

O mercado evolui numa velocidade muito rápida. Não se adequar à nova realidade pode decretar a total irrelevância de modelos de negócios praticados por agências digitais. Fenômeno natural, tratando-se de uma atividade altamente mutável, que se transforma em questão de semanas. Resta aqui relembrar com saudosismo das madrugadas comendo pizzas, criando algo sem um propósito verdadeiro.

Novos tempos exigem novas soluções

Temos a sorte de trabalhar numa área incrível — e o azar da necessidade de atualização constante.

Quando me perguntam como eu ganho a vida, respondo que meu papel é fazer os usuários partirem do ponto A para o ponto B através de uma experiência extremamente satisfatória (muitas vezes, imperceptível) em questões de execução, estética, performance, narrativa e praticidade.

O designer precisa viver eternamente em modo beta. A constante atualização é um fator primordial pra quem deseja ser bem sucedido na área.

Clientes demandam agilidade e transparência. Empresas demandam profissionais com autogestão e capacidade de execução.

Cabe aos designer se adaptarem nesse cenário. Ações rápidas e assertivas podem fazer a grande diferença em carreiras e negócios. Desprezar o poder da execução e gestão pode custar caro em tempos de grande concorrência.

Atualmente, um designer com as habilidades corretas pode facilmente capturar grande parte da fatia do mercado que é atendida por agências digitais.

Para aqueles que dominam a parte estética e tecnológica (html, css, javascript) basta inserirem habilidades complementares para se tornarem imbatíveis. A demanda digital cresce na mesma proporção dos desafios. Continuarão no jogo aqueles que lapidarem seu potencial criativo como:

1. Buscar por atualização
É expressamente fundamental um designer `moderno` conhecer o mínimo sobre html, css, javascript e seus conceitos básicos. Não digo que designers precisam saber programar, mas é necessário entender o modo como algo estático será traduzido numa linguagem de programação e como será a experiencia usando uma interface em browsers e dispositivos móveis. Softwares visuais como Photoshop, Sketch, Figma entre outros, não dão essa visão.

Numa rasa analogia, um designer que não conhece sobre tecnologia é como um chef de cozinha que não conhece os ingredientes. Parte de boas soluções em uma experiencia digital vem de insights decorrentes do conhecimento sobre HTML/CSS.

2.Conhecer sobre negócios
Como disse Bill Gates:

“Em pouco tempo só existirão dois tipos de negócios: os que estão fazendo negócios na internet e os que estão fora dos negócios.”

Além de aprimorar quesitos técnicos, é fundamental dominar a linguagem dos negócios. Saber o básico sobre termos como Churn Rate, MMR, SEO, CRO, ROI, ROIC, ebtida, customer success, SaaS, venture capital, valuation, fund raising entre outros, fará uma enorme diferença em suas carreiras.

Entender como funciona na prática uma startup, agencia ou qualquer outra relação com o mercado é fundamental para o futuro da profissão.

Disclaimer: inserir novos conhecimentos no seu repertório profissional não fará de você um profissional generalista. Generalidade profissional é quando alguém faz uso de habilidades pulverizadas de pouco impacto tangível.

3. Focar no longo prazo
Stick into the game plan — é um dos termos famosos nos EUA sobre desenvolvimento de projetos e negócios. Uma vez traçada a estratégia, siga firme nos seus objetivos e tenha um plano de metas estabelecidas. 1% ao dia é suficiente para criar um impacto gigantesco no longo prazo.

4.Saber executar
Como tirar uma ideia do papel.
Como criar um MVP (minimum valuable product).
Como prototipar em alta fidelidade.
Como desenhar com HTML sem saber programação.
Como não ser apenas `mais um` designer na multidão.

Enfim, as oportunidade e desafios são gigantes. Cade a você escolher o modo de vida que deseja seguir daqui pra frente. Fuja da inércia e não seja um designer mediocre.

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JP Teixeira

Brand Designer — Webflow Expert — São Francisco, Califórnia. www.superskills.com.br